quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A cavalaria do século XXI


“Ide vós brincar?”
Em prantos ao leito, surge-te imagens,
Sem dinheiro, passa-te fome e ainda tens coragens de vos falar.
De face rosada, pai de 4 crianças esfomeadas, que brincam em estalagens
Sorrindo para vós a encantar.
Como amargo fel, sentia-te. Vergonhoso, trabalhava sem vontade,
Já nem sabia do que reclamar.
Em desespero desalento vivia, com os cárceres de suas dividas,
Já não mais sorria para quem do seu lado passar.

“Ide vós brincar?”
Sem ânimo o senhor de meia idade mexia-lhe o corpo,
Com devidas fraturas, o peito ainda doloroso,
Pois em ver-te as crianças com fome, Senti-lhe a amargura
Que brotava longe num obscuro e não havia mais anjo para tal criatura.
“Não brinco, trabalho para ti”
Mas sempre a mesma pergunta há de repetir.
“Ide vós brincar?”

“Cala-te inferno, cala-te a boca”
O corpo magro mexia os lábios secos, pois lhe faltava água.
Andava sobre o asfalto em todas manhãs ensolaradas,
Sem alguma proteção, sentava-te num canto calado escrevia-lhe sobre suas filhas e seus graciosos nomes.
Em chuvas, seja primaveril, seja veranil encontrava-se em seu lar ao lado de suas meninas,
Acariciava-lhes a barriga,
Que doíam-lhe de fome.

“Acalmam-se minhas santinhas, acalmam anjinhos meus,
A vida há de sorrir para ti, a vida há de reflorir sobre os olhos teus,
Depositando fé e enormes arranjos de felicidades, exalarão perfumes sobre tuas caridades,
Exalarão teus perfumes minhas pequenas raridades.”
Então dormiam as 4 pequeninas onde sonhavam com teus mundos fantasias,
E sobre a cavalaria do Século XXI andava descalços de já pés surrados o pai a trabalhar com vossas poucas energias
Que lhe sobravam naquelas horas em que chuva vinha, embora ainda em agonia
Pensava em quando acordar.

“Ide vós brincar?”
Quando não trabalhava desmontava os móveis da casa,
Prendia-lhe a atenção, e com exatidão montava,
Quebrava em tempos de raiva e consertava quando se acalmava.
Oito olhinhos presenciavam angustiosos vossos momentos,
Corriam paras os braços ossudos do pai desnutrido, olhavam sobre penosos acontecimentos.
E diziam “Com vossa força suportamos os longos caminhos, e agora nesses tempos retraímos,
aceite-nos pai, contigo trabalharemos e essa miséria iremos enfrentar,
morre-te de fome, não iremos mais deixar.”.
Em desespero balançava a cabeça. Anjinhos não trabalham, dizia então o adoecido.

“Ide vós brincar?”
A dividas aumentavam, o corpo lastimava as últimas horas de sua vida
O enfermo nem andar conseguia,
Os últimos móveis haviam vendido para comprar o que comer,
As meninas divertiam-se com rasgados jornais que encontram em ruas,
Ou livros velhos que os sebos doavam,
Televisão já não existia para aquela família de desgraçados.
E o pai enfermo lutava para alimentar as dividas cruas,
Para sair da penúria que enfrentavam.

“Ide vós brincar?”
Quando sepultado, banhado de ódio e clamor,
Quatro crianças restaram ao mundo, e cuidavam de vosso pai com amor.
Cantavam melodias ao podre corpo que ali jazia,
Sem ninguém, abandonado morria,
Pois a família enfrentava aquela guerra sozinha.
O pai de olhos entreabertos, de peito estufado,
Olhava as quatro meninas que observam de olhos vidrados,
Esperando um levantar, um sorrir, um viver...
Mas orgulhoso como tal, nada podia fazer, a não ser morrer...

“Ide vós brincar?”
Faça-te essa pergunta a vosso pai,
Não encontra-se mais em tal miséria, mas é o suficiente para vós entender
Não morreu de fome, mas por sofrer,
Tão depressivo e amargurado, não via-lhe os céus que brilhavam,
Não sentia o perfume das flores que a mesma exalavam,
Não sentia orgulho das lágrimas que os pêsames ,lavavam
Nem mesmo vivia na vida que as quatro meninas estavam.
“Ide vós brincar?”
Sim, Iremos nós brincar.
E na cavalaria quatro pequenas meninas irão montar.
Pois no século XXI, queriam ver seu pai voltar.

Ide então brincar.

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